O Sr. Lobo
Finalmente uma história com um final feliz para um dos mais infames vilões da história.
Bateram à porta.
“Sim?”
“Posso?”
“Ah, faça o favor de entrar Sr. Lobo. Entre, sente-se, ponha-se à vontade.”
O Sr. Lobo assim fez.
“Então, como tem passado, diga-me?”
“Olhe doutor, já tive melhores dias…”
“Então, conte-me lá.”
O Consultório do Dr. Carneiro era um sítio acolhedor, com um divã cor de tinto e prateleiras de mogno repletas de tomos verde esmeralda e bordô. Ele, o doutor, estava por sua vez sentado numa poltrona cor de ferrugem, ao lado da secretária. No centro estava um tapete elegante mas simples, em tons de vermelho e beje.
Após ter feito a pergunta, o Dr. Carneiro ajustou os óculos e preparou-se para tirar notas.
“Não sei doutor”, disse o Sr. Lobo. Estava bastante combalido. Parecia um lobo em pelo de cordeiro manso. “Desde aquela história dos três porquinhos que tenho andado mais em baixo, sabe…”
“Mas aconteceu alguma coisa de especial na última semana?”, perguntou o Dr. Carneiro. “Essa história dos três porquinhos já é bastante antiga e na última consulta já me parecia estar mais em paz com o assunto”, acrescentou.
“Oh, não sei doutor… não sei se quero falar sobre o assunto na verdade…”
“Então, diga lá. Sabe que isto aqui é um espaço seguro! Lá fora ninguém sabe o que se passa cá dentro! Aqui, tudo é permitido”. O Dr. Carneiro esboçou um sorriso apaziguador.
O Sr. Lobo suspirou. “Escreveram mais uma história em que sou eu o mau da fita… E saio a perder outra vez, para variar… Quando passo na rua, os miúdos apontam todos o dedo e riem-se de mim.”
O Dr. Carneiro ia tomando notas. “Sobre o que é a história desta vez?”, perguntou.
“É sobre uma capuchinho vermelho ou que é… Eu nem sei o que é um capuchinho!”
“Mas então e o que acontece nessa história?”, insistiu o doutor.
“Eu até começo bem na história! Consigo encher a barriga e tudo logo. Mas depois rapidamente as coisas dão para o torto… Parece que tive mais olhos que barriga e depois o caçador topa-me e corta-me a barriga com uma tesoura.
Depois, ainda por cima, consegue salvar o meu lanche porque tinha comido a avozinha e a capuchinho por inteiro. Enchem-me a barriga de pedras e… ai doutor… e atiram-me ao rio, veja lá! É horrível! Horrível!” O Sr. Lobo escondeu a cara nas suas patas.
O Dr. Carneiro continuava a tirar notas e a anuir com a cabeça, erguendo as suas sobrancelhas de vez em quando.
“Baahm, um, perdão, bem, não é mesmo uma história com final feliz para si de novo de facto.”
“Pois não doutor! Parece que nunca ninguém quer escrever uma história em que tenho um final feliz. E isso deixa-me muito abalado… Sou sempre o vilão, o malfeitor, o tolo… Não sei o que fazer já. O doutor é a minha única salvação.”
“É para isso que aqui estou. Parece que o problema está também relacionado com você estar sempre com fome.” O doutor ajustou os óculos. “Mas diga-me uma coisa, tem tido pesadelos ou sonhos relacionados com o assunto?”
“Um pesadelo é o que tem sido o meu dia-a-dia doutor. Não são só os miúdos, toda a gente me olha de lado por ter comido a avozinha e a capuchinho e ter assustado os porquinhos.” O Sr. Lobo fez uma pausa. Depois, continuou.
“Mas tenho sonhado sim. Tenho sonhado com uma história onde sou eu o protagonista e o herói.” O Sr. Lobo fez um sorriso tímido. Parecia estar a ganhar ânimo.
“Baah sim? Fale-me mais sobre isso”, disse o Dr. Carneiro.
“Sim!”, endireitou-se no divã. “Onde eu soprava, soprava, e até os tijolos levantava!” Os olhos do Sr. Lobo cintilavam agora. O Dr. Carneiro tomava notas de sobrancelhas levantadas, com um ligeiro sorriso de satisfação na sua boca. “Estamos a fazer progressos!”, pensou.
“Onde eu não tenho mais olhos que barriga para não adormecer de barriga cheia depois do meu lanche.” O Sr. Lobo levantou-se e serrou as garras das suas patas com força. O seu coração palpitava.
O Dr. Carneiro parou de tirar notas e olhou para ele com apreensão, por cima dos óculos.
Neste ponto, o Sr. Lobo olhou o Dr. Carneiro olhos nos olhos e sussurrou:
“Onde eu posso e tenho tempo de devorar a minha presa a meu belo prazer.” disse, enquanto passava a língua pela sua boca e esboçava um sorriso de orelha a orelha, exibindo os seus dentes tão grandes.
“Sabe, acho que acertou doutor. Eu estou mesmo sempre com fome.” O Sr. Lobo eu um passo em direção ao Dr. Carneiro.
“Baah, foi?” O Dr. Carneiro recostou-se na sua poltrona. De repente parecia encharcado em suor.
“Sim.” respondeu o lobo. “O doutor disse que aqui tudo era permitido e que ninguém lá fora sabe do que se passa cá dentro, não foi?” Os seus olhos percorriam o carneiro de alto abaixo. Que pernil! Porque nunca tinha ele olhado para o carneiro daquela forma antes?
“Baaaahhh, infelizmente o nosso tempo acabaaaah, quer dizer, acabou!” O Dr. Carneiro estava completamente aterrorizado, suava por tudo o quanto era sítio. “Queira por favor sair imediatabaaaahhnte!”, bradou.
“Acertou em mais uma coisa doutor: O seu tempo acabou. Mas o meu acaba agora de começar! Ahoooooo!”
FIM
Poslúdio
“Mário, o doutor está indisposto. E quero cancelar a minha próxima consulta. O Dr. Carneiro curou-me. Não o tornarei a ver mais.”
Hahahahahahahahahahhahahaha amei